quinta-feira, 1 de abril de 2010

A Paixão segundo São Roque

Quando eu era repórter do Faesa Digital atuava praticamente como uma correspondente do Vale do Canaã. Sempre que ia pra lá voltada com um free-lance [jornalistas entendem] e adorava. Foi também uma forma de conhecer um pouco mais o lucar de onde eu vinha. Dentre tantas matérias, uma chamou mais a minha atenção: sobre a encenação da Paixão de Cristo, que fez São Roque do Canaã ser conhecido nacionalmente (sem ironias, please). 
Segue.


O pequeno município de São Roque do Canaã ganhou fama e popularidade ainda quando era um distrito. Famoso nacionalmente pelas tradicionais encenações da Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, o município guarda lembranças daquela que foi a era que mais trouxe cultura para seus habitantes.

A encenação está diretamente ligada a José Regatieri, ex-seminarista do colégio dos frades capuchinhos em Santa Teresa e protagonista da história de São Roque, uma vez que ele foi o fundador do Clube ABC, um centro esportivo da região, e era o morador mais antigo do lugarejo. Com sua locução vibrante e firme, atraiu turistas de diversas regiões do país.

Helena Margoto foi quem deu início à peça teatral, numa região denominada Baixo Santo Júlia, localizada no distrito de Santa Julia, em abril de 1961. Tempos depois, José Regatieri se interessou e os dois passaram a fazer a encenação juntos, na sede de São Roque.

No início eram utilizadas imagens sacras de gesso. Com o decorrer dos anos foram substituídas por atores da comunidade, e o cenário era constituído pelo espaço físico em frente à Igreja Matriz.

Grande parte deles eram agricultores, que deixavam suas lavouras duas vezes por semana durante os vários meses que antecediam o evento para fazer os ensaios; eram caracterizados como os personagens de acordo com a descrição que a Bíblia fazia deles. Estima-se que cerca de 80% da população são-roquense já assistiu a peça, fora os turistas que lotavam as arquibancadas.

O evento era divulgado no rádio, na televisão e em todas as mídias do Estado; chegou a ser citado em jornais da Itália e da Suíça. Inicialmente, a encenação era apresentada apenas na sexta-feira santa, mas com o passar do tempo e com o sucesso, passou a ser realizada aos sábados também.

O evento contou com a participação de vários artistas, dentre eles Fernanda Montenegro, que interpretou Maria Madalena e divulgou o teatro de São Roque, Odair José, Elisangela, José Wilker.

Muitos dos que hoje habitam o município foram para lá motivados pela beleza que viam nas encenações, encantados com o povo e com a fé. O lucro gerado era revertido na reestruturação do teatro, na construção do ABC, no campo de futebol e outras necessidades da comunidade.

Hoje os habitantes de São Roque lembram com saudade dessa época, e desejam que as apresentações voltem, porém, com seu desenvolvimento, o município já não apresenta mais condições favoráveis para a realização do evento: a falta de espaço suficiente hoje é o maior empecilho.

Sem dúvida, o momento de maior emoção do evento foi quando, após a morte de José Regatieri, seu filho Antônio Carlos trouxe de volta a encenação, aproximadamente 7 anos após a última apresentação, colocando em uma das cenas a locução vibrante de seu pai, causando grande comoção na platéia.

As apresentações eram feitas na Praça da Matriz, em suas encostas e laterais e morro adjacente, mas o crescimento e desenvolvimento da cidade determinaram o fim das apresentações.

Coincidência ou ironia do destino, José Regatieri faleceu em abril de 1982, num sábado de aleluia, um dia após a sexta-feira santa, deixando aos são-roquenses a triste certeza de que ali estava o encerramento do grande movimento artístico do então pequeno distrito de Santa Teresa.

Com certeza, hoje São Roque do Canaã não é o mesmo daquele tempo que reuniu mais de 250 mil espectadores de diversas regiões do país ao longo de 40 apresentações mas ficou conhecido como um dos precursores do teatro amador, que envolvia amor, fé e o profundo desejo de transformar o pequeno município do interior em um grande palco de força, luta e determinação.


Quem sabe, um dia, o teatro volte

Antônio Carlos Regatieri, filho de José Regatieri, também responsável por algumas das encenações, lembra os detalhes da época:

Naquela época, por faltar dinheiro, era mais difícil estruturar o teatro?
O mais difícil sempre foi a captação de recursos. A estrutura do teatro era montada mediante a liberação desses recursos, os quais demoravam muito a chegar. Mas mesmo assim, meu pai arranjava um jeito de estruturar.

Qual foi a importância do seu pai no teatro livre do Brasil e no Espírito Santo?

Meu pai foi pioneiro na criação desse evento, em São Roque, estimulando outras encenações pelo estado e pelo Brasil. Pela sua época, após a divulgação do filme, em nível nacional, eu diria que meu pai sonhou, ousou e realizou um de seus maiores projetos de vida.

Que importância teve a participação da atriz Fernanda Montenegro no teatro na Vida de Cristo em São Roque do Canaã?
A participação da Fernanda Montenegro se deu no filme sobre a vida de Cristo realizado pelo meu pai nos anos 70. Ela já estava consagrada pela mídia nacional no teatro, e sua carreira no cinema iniciava-se naquele período. Sua participação foi de suma importância para a divulgação do filme e do teatro de São Roque do Canaã em nível nacional.

O que as pessoas comentavam?

O teatro é manchete até nos dias de hoje. Somos considerados o maior teatro amador ao ar livre do mundo neste gênero. Ouvimos elogios e cobranças para voltar a realizá-lo.

A encenação voltou e acabou. Por quê?

Em 1987, eu, Helio Chiaratti, Valentin e Izaú Vago reestruturamos o teatro. Enfim, o teatro tomou uma dimensão nacional, e chegamos a ser citados em jornais da Itália e da Suíça, por atores de lá que nos assistiram aqui. Devido à falta de infra-estrutura básica, São Roque do Canaã não tinha como receber mais turistas, o que nos levou mais uma vez à paralisação.

São Roque do Canaã tem estrutura e gente para ser o maior teatro ao ar livre?
Estrutura São Roque não tem, mas pode se criar. E gente capaz de transformá-lo novamente no maior teatro ao ar livre no gênero, tenho certeza que sim.

Se o teatro voltar, o que representará para a cidade?
A volta do teatro resgataria a nossa religião, cultura, tradição, fama, e o sonho de todos que um dia participaram e subiram nos palcos do teatro de São Roque.

7 comentários:

  1. Não era pra de acabado uns dos melhores teatro da vida de cristo em são roque do canãa. ass. mario jorge alves

    ResponderExcluir
  2. Sim... Mesmo que pequeno e no colo de minha mãe, lembro nitidamente. Dos ensaios ao ponto culminante da ressurreição, e ainda sinto arrepios com a musica de aleluia.
    “Vontade, todos temos, mas só com determinação e fé, um sonho pode ser realidade”
    Robson M Locatelli.

    ResponderExcluir
  3. Em 1968, eu com 6 anos de idade e morador de Santo Antonio do Mutum, fui assistir com meu pai esse grandioso evento. Por ser crianca e morador do interior, fiquei encantado. Anos depois, em 1978 voltei a ver o espetaculo e, sem duvida, era mesmo emocionante.

    ResponderExcluir
  4. Muita saudade. Vestido a caráter, cheguei a participar desse grande evento trabalhando como "Pastor de ovelhas" tarefa consistia em conduzir as ovelhas até o presépio local do nascimento de Jesus, montar e acender as fogueiras. Tive a oportunidade de fazer também o papel de "cego", onde Jesus operava o milagre. José Regatieri, um GRANDE LÍDER, dinâmico, conseguia mobilizar toda a comunidade. Parabéns ao Município de São Roque do Canaã e parabéns a Roberta Fachetti por registrar esses maravilhosos trabalhos.

    ResponderExcluir
  5. Em 1973 eu tinha 14 anos e fui ver o teatro, me lembro do cantor Odair Jose se apresentando com um violão apenas, cantando a musica Cristo Quem é Vo
    ce.

    ResponderExcluir
  6. Em 1973 eu tinha 14 anos e fui ver o teatro, me lembro do cantor Odair Jose se apresentando com um violão apenas, cantando a musica Cristo Quem é Vo
    ce.

    ResponderExcluir
  7. Adquiri o livro e fiquei encantada pela história.

    ResponderExcluir