segunda-feira, 7 de maio de 2012

"Foi a mãe que disse isso, professor"

Acho que uma das coisas mais interessantes que li com relação à morte dos jovens de São Mateus partiu de Fabio Malini. Não por ser um atque à imprensa. Mas, por ter me dado uma grande lição enquanto profissional da comunicação. Segue:

Nas redes sociais, muita gente agora querendo saber o porquê das mortes. Segundo a imprensa, a partir das fontes policiais, fala-se em acidente automobilístico.
Queria dizer uma coisa sobre a cobertura desse caso, algo que não pode passar em branco, algo muito mais problemático do que a "notícia falsa" da manhã: o fato dos jornais repercutirem uma "declaração" da mãe de uma das jovens mortas acusando, com tom de desconfiança, que o namorado da filha poderia ter alguma culpa no cartório, por ter se sentido frio demais com o sumiço de sua filha (lembrei imediatamente de "O Beijo no Asfalto", de Nelson Rodrigues).
Mesmo que numa investigação futura, ele possa vir a ter algum envolvimento com o "acidente", é preciso abolir a técnica jornalística de tornar a declaração o índice da própria verdade. "Foi ele quem disse, professor!" é uma frase que escuto muito de meus alunos. É uma forma que eles encontram para se retirar de cena e não assumir o fato de que a escuta e a decisão de publicar algo foram deles, mesmo que o algo dito tenha sido uma meia-verdade ou uma total mentira.
Foucault, num texto fantástico chamado "O que é o autor?", disse algo curioso: o autor morreu ao esconder, no texto, suas decisões, suas predileções, suas posições, seu lugar, sua vida. O jornalista não aparece como autor, mesmo em matérias assinadas. Ele é sempre terceira pessoa que vê de longe. A função-autor não existe mais, e o jornalismo usa esse não-existir, muitas vezes, para escamotear a miséria de sua própria pena. Fico me perguntando: quem assumirá agora a responsabilidade por ter suscitado algum envolvimento do namorado com o acidente ? Quem? Qual autor?
Afinal, "foi a mãe que disse isso, professor. Não fui eu".

Simplesmente fantástico!

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