sexta-feira, 2 de julho de 2010

Especialista já viveu os dois lados e tenta retribuir o que recebeu

Roberta Fachetti
Da Revista Os Especialistas


A importância e a eficácia do Grupo de Teatro Especialistas do Riso são reconhecidas por muitas mães, que passam por momentos de distração no Hospital com a visita dos “palhaços”. Maria de Fátima de Matos já viveu os dois lados da história: esteve com o filho internado no Hospital Infantil, com Leucemia, e, após perdê-lo para o câncer, decidiu tornar-se uma voluntária e levar alegria às enfermarias.

O filho da voluntária, Tadeu de Mattos, que permaneceu no Hospital por dois meses e meio, falava que quando ficasse bom queria ajudar no projeto. “Mas ele não ficou bom”, completa a mãe, que após a morte do filho, se motivou, procurou o grupo para oferecer a ajuda que um dia já recebeu, fez o curso preparatório e começou a fazer as visitas.

Além do estímulo passado pelo filho, Fátima sentiu a necessidade que os hospitalizados têm de terem o encontro com “o outro”, porque, como ela mesmo indaga, “quem que, no sábado à tarde, vai lembrar-se de ir a um hospital brincar com uma criança acamada?” Para a voluntária, trata-se de uma dupla ação em que, primeiro ela recebeu, e depois passou a contribuir.

Depois de nove anos como uma Doutora Especialista do Riso, ela diz que após se graduar em Teologia e estar se formando em Psicologia, tem um maior entendimento do ser humano, que a leva a crer da necessidade do próximo, principalmente nos momentos de dor, pois este é um momento de fragilidade e, ao mesmo tempo, exclusão, porque a pessoa quer ficar sozinha por estar com outro aspecto físico e decide se isolar. Para ela, essa é a hora de ir ao encontro do outro e oferecer uma ajuda.

Na Oncologia, vendo mães em uma situação em que já viveu, Fátima procura se incorporar ao palhaço que está representando e não se envolver tanto. “Eu já estive lá também, mas tudo pode passar”, completa. Ela não fala que já esteve com o filho na enfermaria porque podem perguntar se ele ficou bom, e se ela falar que ele morreu vai causar tristeza. Quando alguma enfermeira conta que ela já acompanhou o filho, a voluntária sempre fala que ele ficou bom, para não desencorajar as mães.

A cada vez que entra na Oncologia, ela se lembra do filho, dos locais em que ele ficava. “Se eu não chorei? Eu deixei a dor doer. Durante quatro meses eu fechava a casa toda, colocava o travesseiro no rosto e gritava a ausência dele”. Esta mãe diz que teve muitas perdas na vida, a começar pela boneca e pelo cachorro, ainda quando era criança, que foram uma preparação para a perda maior que teria, que foi a do filho.

Quando chega em casa, após uma tarde de brincadeiras no Hospital, Fátima sente que deixou algo de positivo para as crianças: o riso, uma palavra de conforto para os pais, que querem contar suas histórias. Ela sente que fez algo de bom, mas que não chega nem aos pés da intensidade da dor que o outro está sentindo.

No começo, a voluntária fazia as visitas duas ou três vezes no mês, mas como está concluindo a faculdade está sem tempo. Ela tenta não se envolver muito os enfermos seguindo o preceito do “estou aqui, mas não estou”, para não sofrer, pois vai para levar o riso e não pode puxar a dor para casa.


A primeira ação do “palhaço” nas enfermarias é oferecer um sorriso, acompanhado da fala “vim ver você” e sempre perguntando se a criança quer brincar, porque ela pode estar em um dia ruim, sem querer brincadeiras, com dor, ou simplesmente triste. Por isso, é importante perguntar se os enfermos querem brincar.

A voluntária acredita que o humor no hospital não leva a cura, mas uma perspectiva melhor de vida, de bem-estar emocional. Os médicos aceitam o projeto no hospital e até brincam, mas têm o lugar deles, que é o saber, o lado científico. O grupo respeita os familiares, que, algumas vezes, não querem brincadeiras. Muitos gostam, porque veem os filhos tristes sorrindo. As crianças ficam ansiosas esperando os Especialistas.

O hospital é o extremo, entre a cura e a morte. Com o trabalho, os voluntários recebem o sorriso das crianças, elogios que motivam a continuar, pedidos para que voltem e sabem que estão fazendo o bem. Fátima conta que o simples fato de ir até a enfermaria dar um sorriso já ajuda. Todo o trabalho é na base do improviso, mas eles levam brinquedos e objetos que ajudam. A bolinha de sabão é a arma do “palhaço”, que diverte os adultos e as crianças.

“Tudo o que você faz de bom, volta para você. Cada criança fica no pensamento do voluntário”, explica Fátima, que sabe como ninguém o que é ter que dormir meses em uma cadeira. Hoje, ela afirma saber qual é a importância do projeto, porque, às vezes, quem está no hospital precisa apenas de um sorriso ou de um aperto de mão.

Em dois anos, ela perdeu o marido, o filho e o pai e, ainda assim, diz que vale a pena viver. A voluntária decidiu fazer Psicologia para chamar as pessoas à vida. Para ela, o problema dos voluntários é a falta de tempo.

Fátima explica que Tadeuzinho, como chama carinhosamente o filho, não pediu para morrer, mas já que estava nessa situação, preferiu a morte para parar de sofrer. Segundo a mãe, a experiência não foi traumática, pois “foi um ato de amor dele, mesmo sendo ainda uma criança”. A saudade? “Ah, quando eu vejo um amigo dele eu desabo a chorar, em público mesmo, porque fico imaginando como ele estaria se estivesse aqui”, conclui.

O diagnóstico
Fátima: Tudo começou com uma febre e a médica falou que era garganta. Mesmo com antibióticos, três dias depois a febre voltou. Então, o levei para uma médica que era minha amiga, que achou que ele estava muito pálido e pediu um hemograma.  Eu senti que seria algo grave, porque ele só queria ficar deitado e sentia dor nas pernas. Assim que saiu o resultado do exame, ele já foi internado no Hospital Infantil. Quando cheguei na porta da enfermaria que ele iria ficar e li “Oncologia”, abriu uma cratera na minha frente. Aí eu caí na real, que o negócio realmente era sério. A médica me falou que era Leucemia. E ele entrou e viu um monte de criança careca.
Tadeu: Essas crianças aqui estão todas com câncer. Eu sei porque elas estão sem cabelo por causa da quimioterapia. Isso significa que eu estou com câncer, mãe?
Fátima: Nesse momento nós dois “caímos a chorar”. Mas eu falei com ele que nós precisaríamos ter força e coragem.

“Ele me falou que ia morrer”
Fátima: “Eu sabia que ele não ia resistir. Ele me falou que ia morrer. Ele sempre teve muita saúde, foi brincalhão, esperto e de repente se viu nessa situação. Fez a quimioterapia e começou a ter hemorragia. Me chamou e disse:”
Tadeu: “Mãe, eu tô indo embora, eu não vou ficar nesse mundo.”
Fátima: “Não meu filho, eu cuido de você!”
Tadeu: “Eu sei que você cuida, mas não dá para eu ficar, porque eu não vim para ficar doente, tendo que voltar sempre para o hospital. Eu quero viver. Eu falei que ia ser piloto de avião e não vou mais poder ser, então eu não quero mais continuar vivendo, porque isso não é vida.”
Fátima: “Mas vou cuidar de você...”
Tadeu: “Mãe, eu vou, mas você continua, vai levando sua vida, porque para mim não dá mais, não dá para continuar”
Fátima: “Não!”
Tadeu: “Então eu vou, tá mãe?”
Fátima: “Então já que você quer ir, você vai, mas vai com coragem. Eu amo você, Tadeu.”
Tadeu: “Mãe, eu vou. Mas a única certeza que eu levo desse mundo é o seu amor”
Esta mãe conclui cheia de certeza: “Na verdade, ele me pediu permissão para morrer.”

O que tiver que ser, será
“Depois que ele me falou que ia morrer, eu o deixei com a médica e fui rezar a oração do Pai-Nosso e nunca a fiz com essa dimensão. Quando cheguei na parte do “Seja feita a Vossa vontade’ eu engasguei. Mesmo meu filho falando que ia morrer, eu tinha esperança que ele ia ficar bom e não conseguia terminar de rezar porque eu pensava: “Será que a sua vontade é a minha vontade?” Aí eu senti que a minha vontade não seria feita e pensei ”o Tadeuzinho não vai ficar”. Depois disso eu parei de pedir pela cura dele, pedia que acontecesse o que fosse melhor. Aí situação só foi piorando. Queriam fazer uma cirurgia nele, mas eu não queria deixar, porque ele já estava sofrendo. “Eu sei que ele não vai sobreviver. Eu sei porque ele mesmo já desistiu”. Ele tinha 1% de chance e eu assinei só por pressão da família. Logo depois, no dia 19 de maio de 2001, ele morreu.”

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